quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Parir Poetas

E da boca queria fazer-se
material de tão rude procedência
grânulos duma areia especial
soprada em uma usina dos vitrais:
o pecado da transparência é não
admitir a queda e o nível do dizível
e o sensível, também rude,
que de tanto, obscurece

E da usina o produto insuflar
com esfacelos do tempo arenoso,
recôndita ação, gesto de malabar
cujo objeto, a ir e voltar é o próprio
passo e ar - e o soprar,
se passear só não fosse
música já não seria

E da usina, bem forjada, não de dentes
mas de sorrisos prismais, o que se espera,
senão o transluzir do quebrantável vítreo
à areia e à planta? - nudez razante da máquina
até a pura terra, que de ir-se, emperra!

E da boca queria fazer-se em filigranas
vitrais geodésicos, catedrais, níveis
a comunicar a planta e a terra, mas tu
operária mais de tempo que de instrumento
dizias: a ti só basta
um gesto!

E do soprar que varre a areia
e resseca a planta fez-se
inesperada música no tempo
e no pó de tudo, ainda obscuro
tomo o brilho destas palavras de vidro
que só após o cristalino fractível
posso unificar

E de mim, amigada, o ato dizias
quando querias luzir vocações de parto:
de terra sou composto, ainda que
chão de luz granular - tônus celeste
esparso naquilo, um gesto!
que tivestes, à tempo,
de soprar!

Renan Rodrigues

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