terça-feira, 18 de setembro de 2012

Miles Davis


Pequeno com seu brinquedo
dobra-se ao som de uma espécie
                                    de blues
vê escarlate, nasce em miniaturas
de sofrido som intermitente,
o guincho da morte feito vida
o azul do céu nos olhos inflamados
em meio ao sangue negro,
                                na derrama
dobra-se, curva seu brinquedo
feito todo corpo, de volta ao negro,
                               mas negro é dor!

Pequena gente, desnaturado feto
só a voz de guincho conduz ao gesto
                                     mas de morte
curvatura corpo, haste dobrada
ecoa em teus asilos modais
funda morada, cavidades feitas
                                              lar
submerso em escuro sangue busca
com cegos olhos de tambor em fúria
                                         seus modos
para encontrá-los na prostração
de pequena criança com seu brinquedo

O coração na fonte trepida, tamborila
é negro e é dor e é voz, metálica voz
                                            de zinabre
voz de guincho estridente, pontas afiadas
lançadas ao azul claro do céu, haste em riste
                                             oh boy!
de tua trincheira modal, sopra teu ódio
veste teus modos suturados com sutil agulha
teu traje de batalha,
                              elegância de infantaria!

À criação tua trompeta anuncia:
     dobro-me diante do claro céu!
                                               oh boy!
traz teu canto de punhal junto ao corpo
direto e lancinante, com o brilho da violência
                                              nos olhos
de infância, e curva-te afinal a teu modo
lança o surdo som da gênese da morte,
                                        este tipo
                                                  de blues!


RR, setembro de 2012

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Nous sommes là tous deux.

Nous sommes là tous deux comme devant la mer
sous l'avance saline des souvenirs.

De ton chapeau aérien à tes talons presque pointus
tu es légère et parcourue
comme si les oiseaux striés par la lumière de ta patrie
remontaient le courant de tes rêves.
Tu voudrais jeter des ponts de soleil entre des pays
      que séparant les océans et les climats, et qui
s'ignoreront toujours.
Les soirs de Montevideo ne seront pas couronnés de
      célestes roses pyrénéennes,
les monts de Janeiro toujours brûlants et jamais
      consumés ne pâliront point sous les doigts délicats
      de la neige française,
et tu ne pourras entendre, si ce n'est en ton coeur,
      la marée de avoines argentines,
ni former un seul amour avec tous ses amours qui
      échelonnent ton âme,
et dont les mille fumées ne s'uniront jamais dans
      la torsade d'une seule fumée.

Que les paupères rapide se résignent, ô désespérée
       de l'espace!
Ne t'afflige point, toi dont le tourment ne remonte
       pas comme le mien, jusqu'aux âges qui tremblent
       derrière les horizons,
tu ne sais pas ce qu'est une vague morte depuis
       trois mille ans, et qui renaît en moi pour périr
       encore,
ni l'alouette immobile depuis plusieurs décades qui
       devient en moi une alouette toute neuve,
avec un coeur rapide, rapide,
pressé d'en finir,
ne t'afflige point, toi qui vois en la nuit une amie
       qu'émerveille ton sourire aiguisé par la chute
       du jour,
la nuit armée d'étoiles innombrables et grouillante
       de siècles,
qui me force pour en mesurer la violence,
à renverser la tête en arriére
comme font les morts, mon amie,
comme font les morts.

Juillet 1920.

Jules Supervielle -  Débarcadères

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Cá estamos nós dois como em frente ao mar
sob a investida salina das lembraças.

Do teu chapéu airoso à teus saltos quase pontiagudos
tu és ligeira e movente
como se os pássaros afilados pela luz da tua pátria
reanimassem o fluxo dos teus sonhos.
Tu querias lançar pontes de sol entre países
       cujos oceanos e climas, estando apartados
ignorar-se-ão para sempre.
As noites de Montevidéu não serão coroadas pelos
       celestes rosas pirenaicos,
Os montes de Janeiro sempre abrasados e nunca
       consumidos não empalidecerão sob os dedos delicados
       da neve francesa,
e tu não poderás entender, caso não esteja em teu coração
       a maré das aveias argentinas
nem formar um único amor com todos os amores que
       ascenderam à tua alma
da qual a miríade de vapores unir-se-á nunca
       no espiralado de uma só fumaça.

Que tuas pálpebras se resignem, ó desorientada
       e irrequieta!
Não te aflijas, a ti cujo tormento não remonta
       como o meu, até as eras que trepidam
       por detrás dos horizontes,
Tu não sabes o que é uma onda morta por
       três mil anos, e que renasce em mim para esvair-se
       novamente,
nem da cotovia imóvel por várias décadas e que
       advém em mim uma cotovia toda nova,
com um coração acelerado, acelerado,
urgente por cessar
não te aflijas, a ti que vês na noite uma amiga
       a te alumbrar o sorriso delineado pelo verter
       do dia,
a noite armada de estrelas inumeráveis e buliçosas
       seculares,
que me força a medir a violência,
a trazer a face em revés
como fazem os mortos, minha amiga,
como fazem os mortos.

Julho 1920.

Traduzido por Renan Rodrigues

domingo, 12 de agosto de 2012

O dia do pai


O dia do pai


Nas mãos desmesuradas de criança
o osso do passado o decreto
                                         estala
bem na fronte de fera mansa,
encapuzada de selvagem e alva gala:
                       raia hoje do pai o dia!

Fincada na plana alegria
ao rés do chão, por onde caminha do filho
                                                   a ilusão
de mão em mão cambiante, rasgado
olho da estepe alma infante
à face peluda do pai investe:
              és pequeno, és grande, és cão?

Com provas do dano e do sangue
                                 talante
de uma velha vida talhada no esmero de um dia
à mesa da ceia desce o manjar, o sal, a iguaria
e antes de na garganta o ralo sumo deitar
invoca em prece
                    a mais alta hierarquia!

Contempla em pouso teu tanto peso
                                                   oco
levado de ventos aos campos que retém
vês tu que no horizonte do macio leito
o leite que mamas o afago que mimas
               compartes com o colo do desdém?

Assim, raiante, é do pai o dia
o cetro, o sangue, o seio
                                     o instante
oração que clama, inflamante, a tenaz melodia
entre febo e fera a contenda e o açoite
rompendo em morte
dos homens, a pele
                            a noite!

Renan Rodrigues

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Parir Poetas

E da boca queria fazer-se
material de tão rude procedência
grânulos duma areia especial
soprada em uma usina dos vitrais:
o pecado da transparência é não
admitir a queda e o nível do dizível
e o sensível, também rude,
que de tanto, obscurece

E da usina o produto insuflar
com esfacelos do tempo arenoso,
recôndita ação, gesto de malabar
cujo objeto, a ir e voltar é o próprio
passo e ar - e o soprar,
se passear só não fosse
música já não seria

E da usina, bem forjada, não de dentes
mas de sorrisos prismais, o que se espera,
senão o transluzir do quebrantável vítreo
à areia e à planta? - nudez razante da máquina
até a pura terra, que de ir-se, emperra!

E da boca queria fazer-se em filigranas
vitrais geodésicos, catedrais, níveis
a comunicar a planta e a terra, mas tu
operária mais de tempo que de instrumento
dizias: a ti só basta
um gesto!

E do soprar que varre a areia
e resseca a planta fez-se
inesperada música no tempo
e no pó de tudo, ainda obscuro
tomo o brilho destas palavras de vidro
que só após o cristalino fractível
posso unificar

E de mim, amigada, o ato dizias
quando querias luzir vocações de parto:
de terra sou composto, ainda que
chão de luz granular - tônus celeste
esparso naquilo, um gesto!
que tivestes, à tempo,
de soprar!

Renan Rodrigues

Rabo na Boca


Antes via paisagens pela janela
só vejo janelas agora
quanto tempo se passou desde a última vez?
anos, décadas?
a decadência de se começar de novo
do zero

Isso não é novo
nem de novo
nem repentino

O começo mesmo
um grande zero
serpente engolindo o próprio rabo
traz marca do eterno

Seus olhos brilham
seu corpo serpenteia...
   Já vem você com esse papo piegas
Cala essa boca dentada!

Um grande zero, um nada
sem paisagens na janela
apenas janelas
também elas gradeadas
como esta
meio de frente
meio de quina

Olham de lá pra cá e pensam o mesmo?
Pensam o zero do eterno recomeço
pra isso
de novo?

Vejo uma ponta de romanzeira
com vontade de ar
bailante
suas folhas são pequenas
milésimas
infinitas
ligeiras
delicadas
asinhas verdes desprendendo
de si mesmas e dos galhos
que entrelaçados fazem grade
só vejo isso
e janelas quadradas

Se ainda fossem outras
redondas, maluconas e coloidais retorcidas
não seriam janelas
essas janelas
minhas janelas!

Antes via paisagens, me via nelas
um rotacionar de zero
movimento
pra frente
tolice

Tinha menos pêlos e experiência
mas tinha um “à frente”
tinha mesmo algo de seguro
o primeiro passo
tolice

Uma matrona dada 
a gulodices compartilhadas
a quem chamava de vó
apenas isso “vó”
sílaba só
nem palavra
por direito
sílaba só
e era mesmo só
 esta “vó”!

Tanta segurança
um “à frente”
justo

Hoje só janelas
e esse grande zero
multisignificado
supersignificado
inquietantemente significado

Porra!
Esse quarto-cativeiro

Uma mochilona de roupas amarrotadas, 
tecnologia e uma cabeça redonda 
cheia de idéias amarrotadas feito mochilona
uma cabeça de mochilona
enfiada em dois braços
duas pernas que sabem(?)
vagabundear

Se não fosse o zero
caminharia
mas também sem ele não seria
pelo menos é redondo
e não quadrado como janelas
essas que vejo e antes não via
quando não tinha mochila
nem musculossatura
nem coragem de caminhar
grandes distâncias

   Cara, algo se debilita no HOMEM

E em mim
o coração, meu chapa
caminha demais
acelera demais
treme demais
é músculo também
o coração treme
mesmo
vagabundo!

Na cama ele treme
e quer tudo cama
uma vida de cama
uma vida nua de cama
com paisagens nuas
corpo de mulher
montanha-quadril
queeeeeeer aprendeeeeeer a caminhaaaaar, porra!
sobre esses relevos
e se perder(?)

Cativo,
eram essas paisagens que via
quando ainda não via só janelas?

Saudades não tinha ainda
essas crias, filhotes maltratados 
deixados na rua da amargura
com roupinhas doadas, sem dignidade
sem manequim nem nada
crias de janelas e grades
essas que são minhas
dadas a meus olhos de tato
e que não eram
...antes

Uma vez dadas
her dadas
nunca  paisagem
(verde ou azul ou mole ou dura)
cores de paisagem!
nem sequer com a mochilona cheia de troço
prestes a zarpar
se não fosse o zero
se não fosse

“Antes” quer dizer aqui outrora?
É o tempo?

  Nao me venha falar desse filho-da-puta!
  Shhhhh

Prefiro e quero meu zero
metacavidade atual
sem “à frente”
sem afronta
sem ruído
e sem pressão no cerebelo
nem nos pulmões
somente folhinhas de romanzeira vistas de relance
e que nem fazem paisagem
coitada fodida
uma paisagem de meia-tigela
graciosas folhinhas verdes

E essa cama de solteiro, sem lençol, nua?
sem paisagens afundadas & fundidas
pelo cansaço de uma foda
ou de uma bebedeira
ou de um afago besta
ou da respiração cruzada
de corpos amaciados que não se tocam
mas se amam à distância
como respiro ventoso de praia
land scape

Corpo-paisagem
sem grades
nu

Nu que nada! nudez é nao amar!
[amar ou amor, tanto faz(?)]

É não vestir-se de paisagens
não ter lençóis mantas crostas
profundidades superfícies poros
sedimentar retesar inundar
vagabundear por vales peludos púbicos
e ossos-levadiços
pontiagudosaaaaahhhhhhhhhrrrrrrrrrr
(afásico/interino/replicante)

  Amor faz um carinho?

pedido de quem olha pela janela
e só ve janelas
nunca paisagens
por isso não pede
com sílaba só
não saberia

escuta bem, meu amor
e cala esses dentes quadriláteros:

rabo na boca,
infinito amor é zero

Renan Rodrigues

A arte de curtir peles (dedicado à Ray Smith em Desolation Peak)

A arte de curtir peles (dedicado à Ray Smith em Desolation Peak)

subindo a campina pedregosa aos titubeios
disparam contra si em treino balas de festim que matam
morte horizontal e plana morte amiga dos que amam
cavalgando seus próprios mortos de bronze
em lápides esculpidas de baba fossilizada
cavalgadura de bestas chifrudas escamadas celulósicas
essas quimeras que de vento em vento adensam em páginas
volumes de imagens entranhadas no vértice do tempo
morrem em conjunto aos gritos numa dobra moribunda
suas próprias peles pictografadas dizem muito
sobre astear velas e seguir lufadas
montar arreios
espremer músculos e estalar ossos
alinhar-se
mapas completos desenhados no esmero do couro
fatigado e desistente
titubeantes
sobem a campina abrindo o cerco
quando saberemos marchar ao encontro?
tomar posto e engulir seco
olhar a cópula de lágrimas dos tempos?
quando saberemos costurar sem importar com a puição?
por acaso não toda teia tem seus furos?
quando criaremos patas e humor aracnídeos?
uma guerra anasazi abelha-aranha!
quando? quando saberemos honrar nossos mortos?
e vestir sua pele curtida no veloz do ágil?
e aprenderemos a assobiar requiens à toque de caixa?
ao invés de remexer o leito santo
com invocações banais?

esses nossos mortos,
exumados
e assim nascidos!

Renan Rodrigues

Profissão

O que fazer com as verdades eternas,
senão esquecê-las e recobrá-las?

são verdades de aguilhão, cravos do corpo
ferroam a lembrança, sendo o que são

eternas, cravos da terra e da pele
cercas de gleba, demarcam experímetros

e ao encontro, do mais doce ou mais amargo
visitante das solas gastas e das sacolas cheias

com suas mascateiras mãos ao ar, a lançar e pisar
já de saída, os passos largos do amor e do ódio

lançam também essas verdades eternas, esquecidas
nas picadas de tu-terra e de si mesmo esquecido

Amador e Amante,
tua Profissão!


Renan Rodrigues

Estar dentro

Estar dentro


E agora, fatigado
feito em delícias do viscoso
músculos tensos do ir e vir por fim ido
aceito por um convite estranho…malfazejo
não compreender faz parte do plano
enfim dentro, tudo muda!

Alva brancura atmosférica & materialide
esculpida com formões para/em temas familiares
te vejo coroada, entronada em almofadas
seu sorriso me agrada, mas seus olhos…
sem corpo
os evito como o semblante do maléfico
Estou Dentro! Dentro!…penso

Nas coxas entesourando a jóia máxima
que guardastes, eternamente[?]…pra mim!
coxas de tesoura que abrem, cortam no inverso
eu mutilado, sorvido em pedaços ainda dignados
enfim dentro…
coxas de tesoura que fecham, formam o recomposto
teso e duro no pleno vigor da veloz pressa
ouço o estrondo de ossos e craquelar de partilhas
olhos sem corpo
semblante do maléfico…

Renan Rodrigues